sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Só amor só

Decidira deixá-lo em paz. E amava-o nos trechos dos tempos vazios. Nas vielas escuras de seu peito onde o ar úmido cheirava o perfume das costas dele. Amava porque já não era possível deixar de ser. Tampouco deixar de ter. De ter o amor que era responsável pelos batimentos e pelos despertares. Amava com a serenidade de um mar manso, contendando-se com as alegrias das lembranças... Por mais um momento ela amava. Lendo o caderno de humor ou mastigando a bala de amendoim... amava nos intervalos. Nos sonhos e nas visões... Na fila do queijo e na loja de toalhas. As toalhas lembravam tanto ele. Desistira de querer não querer. Já fazia parte de seu hábito vital. Havia amor por toda parte, na escova de dentes. Quem pode viver sem uma escova de dentes? A dor havia sido incorporada, estava nas pálpebras e entre as cutículas.  Indissolúvel de sua alma, amava tanto que passou a se-lo. Amava porque ela era o próprio amor. O amor que a pele possuía e devorava, alimentando-se dos suspiros e dos desejos passivos. Impossível desprender. Ele nada sabia mas fizera do corpo dela sua morada inconsciente. Ela que decidira não mais importuná-lo com seus devaneios insistentes. Observava-o de longe. E amava-o de perto, bem perto, por entre os tecidos. Sem sacrifícios. As imagens estavam em suas artérias e o bem querer nos pulmões. Bastava que respirasse. Ela amava... Respirava... E o deixava em paz.