segunda-feira, 30 de maio de 2011

Pronta

Estou pronta.
Para viver o que não se vive. Pronta para as abstrações.
Para dizer o indizível. Escrever o indescritível.
Pronta para voar pelas paredes.
Para respirar a falta de ar.
E escutar o silêncio.
Estou pronta para gritar no quarto vazio.
Pintar na tela as cores do branco e preto.
Para afundar em uma poça... Para chamar o que não existe.
Pronta para chorar sem lágrimas.
Para sofrer sem dor.
E ouvir a mudez do sussurro.
Pronta para a alegria sem sorriso.
Para as transgressões dentro da lei... E para as regras proibidas.
Pronta para fazer bater o coração sem artérias.
Para as palavras sem letras.
E para a felicidade oculta.
Máscaras.
Pronta. Para ver o invisível. Para sentir o não tocável.
Pronta para sentir. O não permitido...
Estou pronta.

terça-feira, 24 de maio de 2011

Recomeçar...

Não sigo nenhuma religião específica mas me considero uma pessoa muito espiritualizada. Converso com Deus todos os dias, às vezes mais de uma vez. E modéstia a parte até que tenho moral viu, Ele sempre me abençoou muito. 
Não frequento nenhum local de adoração nem sou adepta de ouvir canções religiosas, mas essa música em especial me toca de uma maneira bem intensa. Desde a primeira vez que ouvi, há alguns anos, senti uma coisa muito boa, um arrepio de luz mesmo. De vez em quando eu ouço, e hoje em especial tive uma vontade imensa de escutar. Na verdade eu precisava escutar. Ao mesmo tempo que parece entristecer, é uma tristeza que se transforma em força. Tá em looping infinito, já recomeçou uma dúzia de vezes. Me transmite uma sensação tão boa de esperança e fé, que não poderia deixar de compartilhar...

Pai,
Tá difícil manter o caminho,
Tenho andado em meio a espinhos,
Nem sempre é tão fácil acertar.

Pai,
Emoções descalçam os meus pés,
Me roubando em meio a cordéis,
Que me enlaçam em minhas fraquezas.

Pai,
Eu nem sei o que te falar,
Mas eu quero recomeçar,
Me ajuda neste instante.

Preciso da tua mão,
Vem me levantar,
Faz-me teu servo Senhor,
Me livra do mal.
Quero sentir o teu sangue curar-me.
Agora meu Senhor,
Vem restaurar-me.

(Aline Barros)




A última conversa

Estavam frente a frente. Depois de tanto tempo tentando ela finalmente conseguiu que ele a escutasse. Foi difícil.
Tantos meses, tanto amor desperdiçado. Loucuras e declarações desesperadas. O fim.
Foi especial um dia. E ela se apunhalava a cada manhã na esperança de uma dose ínfima de um amor que não a pertencia. Tentou por tempos. Não conseguia mais.
Não suportou a dor do desprezo de quem um dia lhe devotou tanto carinho. Ele havia mudado. Mas, por quê? Teria o sentimento transformado? Teria mesmo existido algum sentimento?
As dúvidas permeavam sua mente deixando-a num misto de fantasia e realidade. No início decidiu abstrair. Fingia estar anestesiada a cada nova ferida. Até que atingiu a carne. E sangrou.
Para estancar, pressionava ainda mais o ferimento. Doía. Ela queria o fim. Implorou por isso.
Mas ele não permitia sua partida. Tinha medo de escutar. O amor não existia, mas havia a posse. E ele a possuía como um ser dependente de seu ar pra respirar. Ele não poderia viver sem aquela que tanto precisava de sua existência. Não aceitava ter a conversa final. 
Todos os dias chegava em casa e ignorava o fato de ter alguém por perto. Alguém em desespero por amor, ou por uma libertação. Checava seus e-mails enquanto ela simplesmente o olhava, sentada do outro lado da sala com seu livro de romance espírita na mão. Tomava chá. Ele, café sem açúcar.
Em uma das tentativas de ser notada, esperou que chegasse no final de mais uma tarde e atraiu-o para o quarto. Trancou a porta. Estavam frente a frente. Depois de tanto tempo tentando ela finalmente conseguiu que ele a escutasse. Foi difícil.
Passaram-se horas. O silêncio era o único manifestante. E assim passaram a noite. 
Acordaram exaustos de uma discussão que não saíra da mente. E desceram para a mesa do café. Pra ela chá. O dele, sem açúcar.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

"Just a little tenderness"

Sabe aqueles dias que você só quer um pouco de colo?
De alguém pra passar a mão no cabelo e dizer: “vai ficar tudo bem”.
Um abraço mais forte pra proteger... um olhar mais profundo pra dar segurança.
Alguém com quem a gente possa de novo se sentir criança.
Sem medo de mostrar fraqueza, sem medo de sentir medo.
Pra conseguir mesmo tirar a roupa de gente forte e se assumir frágil, ao menos uma vez.
E ter a coragem para admitir não ter condições de resolver todos os problemas.
Alguém só para ouvir...
Deixar de oferecer o ombro por uns instantes para ter um ombro. Pra chorar e ter o direito de não achar a vida tão legal o tempo todo.
O ombro pesa demais algumas vezes. E chega a ser humilhante não conseguir lidar com certas situações. A sensação de impotência diante de uma questão que vai além de nossas possibilidades. Alguém alguma vez deve ter falado que devemos resolver todos os problemas, todos. E quando algum foge do nosso controle, o chão parece sumir. E nos sentimos sozinhos em um deserto com a noite fria, sem ninguém pra dividir as angústias.
Nos sentimos sós mesmo não estando... parece ser uma solidão inventada, onde a tortura por não sermos capazes de lidar com tal situação nos exclui do mundo o qual pertencemos. Esse mundo que nos cobra tanto. É como um castigo pessoal: “Não consegue resolver? Então fique só, para aprender.”
E de vez em quando dá vontade de se despir da armadura para se vestir com a fragilidade. Não é fácil... mas faz falta.
Então... sabe aqueles dias que você só quer um pouco de colo?


quinta-feira, 19 de maio de 2011

Forçar. Força. Forca.

Pensando em nossos desejos, em nossos anseios, cheguei a conclusão que nada que se sente pode ser forçado. Todas as nossas necessidades são naturais, mesmo que tenham sido geradas por meios artificiais.
Alguns publicitários, por exemplo, batem no peito firmando que aquele comercial de refrigerante deixou a gente morrendo de sede. Sorry, mas a vontade vem do nosso cérebro, só nosso, ok?
Não se força simpatia, não se exige amizade... sim, até para amizade é preciso química. Quantas pessoas você conheceu e gostou de graça? Ninguém impõe isso, não é possível mandar um comando interno. Sentimos, queremos. É simples.
A inspiração é involuntária. A saudade também...
Carinho, tesão, amor... é espontâneo, vem de dentro. Definitivamente não dá pra forçar. Parece meio óbvio mas às vezes abstraímos certas lições, por interesse talvez, ou pra sermos aceitos.
Na verdade aceitar é a palavra. Aceitar que você não morre de amores por aquele colega de trabalho, ou que está completamente apaixonado pela vizinha. Podemos decidir o que será feito com tais sentimentos, mas controlar, forçar o contrário, é impossível.
Gostamos ou não, queremos ou não, desejamos ou não, sentimos ou não. Ninguém ama ou odeia mais ou menos. 
Você é legal, inteligente, bem humorado. Tem um emprego bacana, manda mensagens carinhosas e é uma loucura na cama. O que falta pra ter o coração dela? Falta ela querer. Independente de ser um príncipe ou um humorista de stand up, se não ela tiver vontade de ter você ao lado, não há qualidades no mundo que a conquiste. Nem mesmo uma dúzia de Louboutins.
O ser humano é tão fascinado pelo desafio, pelo proibido, que quando alguma situação é forçada fica ainda mais deprimente. Força => Forca. Danger!
Bora então correr atrás das nossas vontades, porque se for pra forçar alguém a alguma coisa, que seja para entender que não se força nada... a ninguém.

domingo, 15 de maio de 2011

Entre correntes e gratidões...

Um menino, brincando na rua, encontrou um gatinho. Era um gatinho preto, ainda filhote, estava assustado e faminto. O menino o levou pra casa, deu-lhe de comer e preparou um cantinho para colocá-lo para dormir. Era só por uma noite.
Passaram-se os dias e o garoto foi se afeiçoando cada vez mais ao felino. Até que descobriu ser uma felina, sim, uma gatinha doce e carinhosa.
Era claro que não conseguiriam se separar mais. Até a família se apegou ao bichinho que fez com que o garoto se tornasse uma criança melhor, mais tolerante e mais responsável. Afinal, precisava cuidar da sua nova amiguinha.
Mas a gatinha cresceu muito, em pouco tempo tornou-se maior que o garotinho... foi quando ele percebeu que não se tratava de uma gatinha, era uma pantera.
Quando se deu conta que poderia perder sua amiga, passou a acorrentá-la. Ela, por sua vez, não se ressentia, pois gostava do menino e de seus cuidados, além do conforto que lhe era dado, coisa que não teria na selva.
Porém o tempo passou e o instinto selvagem daquele animal aflorava-se cada dia mais. Os dois já não brincavam, a pantera sentia a necessidade de ser livre, de encontrar seu mundo, mas não queria abandonar quem um dia lhe fez tão bem.
O menino amava a pantera como sua própria vida, mas não a queria longe, por isso mantinha as correntes. E ela chorava todas as madrugadas, como um ser humano. Chorava e lamentava tal situação.
Universos que um dia foram tão próximos de repente tornaram-se absolutamente diferentes. Poderia a gratidão ser a responsável por uma situação que fazia mal aos dois? Medo de perder... medo de partir...
O menino, que não tinha mais sua amiguinha nas brincadeiras, lamentava. A pantera, que desejava explorar o mundo, chorava. E a vida, como se não se importasse com os dois, passava.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Aquela menina...

Ela ri, ela estuda, ela chora... nossa, como chora. Ela trabalha e fala palavrão. Ela dança.
Aquela menina adora Clarice e sapatos. E não tem muita paciência.
A menina sonha, e faz. Fala e ouve. É generosa e egoísta.
Insiste em querer ajudar o mundo, e quer o mundo girando ao seu redor. Ela gira. Ela faz ponta na sapatilha.
Aquela menina delicada e com gênio difícil. Que ama fácil. Já disse que ela chora muito?
Desapegada e passional.
Apaixonada e indiferente.
Batalhadora e preguiçosa.
Ela desloca os quadris ao som do violino. E inventa que histórias de verdade são de mentira. Ela inventa. Se inventa. Re-inventa.
Aquela menina ouve e rock e moda de viola. E se emociona na mesma proporção. Compulsiva por doces e obcecada pelo jeans 38.
Vive de amores e dores.
Tem opinião eterna, que pode mudar a qualquer momento.
A garota paradoxo... filha das metrópoles, dos cabarés e dos templos. Muda de fases e frases.
Ama as palavras e as pessoas.
Ela gira... Abre o círculo, encerra o ciclo. Começa outro. E gira.

domingo, 1 de maio de 2011

A escritora.

Sentou-se em sua penteadeira, com papel e lápis. Ia escrever. Não gostava de escrever à tinta pois era canhota e sua mão borrava toda página passando por cima dos escritos. Era tarde. Sempre esperava a cidade se deitar para mergulhar nos papéis. E em silêncio absoluto, escrevia mais um texto triste.
"Saudade é o que permanece, de quem não permanece. A dor da ausência é a mais dilacerante dor entre todas..."
A tristeza era constante em suas palavras. Gostava de escrever coisas tristes, embora fosse feliz. Uma moça bela, instruída, havia estudado na Capital. E tinha sempre como companhia seus textos. Era admirada por sua perspicácia e sutil delicadeza. As pessoas gostavam do que ela escrevia.
"Quando a saudade é ausente a dor é macia. Conformamo-nos por não poder mais sentir o cheiro.
A saudade que apunhala é a saudade presente. Aquela que podemos encontrar no meio da praça, ouvir a voz. Essa é a saudade que mata nosso coração aos poucos..."
As pessoas gostam de palavras tristes. Seus textos eram até publicados no jornal. Toda semana as donzelas da cidade suspiravam ao ler tais frases tão sofridas e ao mesmo tempo tão confortantes, sim, pelo fato de alguém entender o que muitos sentiam e poder transpor ao papel. Era admirável tamanha sensibilidade.
"Continuo respirando apenas para senti-lo. Pois a mim basta saber que vives para manter-me viva. Mesmo que nunca saibas que vivo para ver tua vida da janela, somente para isso."
Era moça feliz. Mas tinha alma triste. Talvez por isso suas palavras não conseguiam sorrir. Seu coração sorria quando ela escrevia, mas chorava quando ela sonhava. Era sonhadora como todas as outras moças. Gostava de ir à sorveteria aos domingos e de assistir aos mocinhos nas telas de cinema.
"Queria que fosses meu herói. Como nos filmes. Mas preferiste morrer para meu amor ao comprar aquela passagem de trem..."
Continuou a juntar as letras, em sua penteadeira, com lápis porque à tinta borrava todos os escritos... Suas histórias eram ditadas por seu coração doce e sua alma, triste. Mas era moça feliz, e as pessoas gostavam de suas palavras tristes.